Relato de dois constrangimentos que passei em menos de uma semana

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Confesso que sou tardio em pensar respostas boas e estratégicas no calor de uma discussão, seja ela sobre qualquer tema. Sou aquela pessoa que, após a poeira baixar, volto para casa e ao longo do caminho fico pensando nas palavras que deveria ter dito na ocasião em que fui confrontado. Pense numa sensação horrível! Porque as boas ideias só vêm com um delay gigante. Admiro demais quem é rápido no gatilho. (Ops! Em tempos de bolsonarismo à flor da pele essa frase é complicada de ser dita, né? rsrsrs). Mas, enfim, é exatamente por conta desse atraso do dizer, que na hora de escrever um texto eu “deito e rolo” nas ideias que estão fervendo na minha cabeça. E é o que está acontecendo agora ao escrever este texto. Então vamos começar!

Constrangimento 1

Minha esposa e eu chamamos um Uber para o trajeto do shopping até à nossa residência. E o motorista, um senhor aparentando uns 57 anos de idade, foi nos buscar. Pessoa de sorriso fácil, contando muitos “causos” do seu cotidiano como motorista de aplicativo.

Chegando já perto de casa, o motorista, se identificando também como pastor evangélico, me perguntou: “Mas e aí? Você vai votar em João ou em Pedro neste segundo turno?”. Respondi e ele logo afirmou que o candidato dele é uma pessoa que tem boas propostas, inteligente, tem garra e já emendou a segunda pergunta: “Então quer dizer que você vai votar em Lula?”. O silêncio reinou no carro por três segundos e eu resolvi afirmar: “Sim. Voto em Lula”. Ele me pediu apenas um argumento para também votar em Lula, já que o voto dele, segundo ele mesmo, ainda não estava decidido.

Quando fui falar sobre investimentos na Educação Superior durante o governo Lula, ele me interrompeu e começou a citar todos os adjetivos desrespeitosos a esse candidato. Ainda reproduziu as mesmas palavras que a senadora eleita Damares Alves disse no vídeo sobre exploração sexual infantil na Ilha de Marajó. E olhe que, segundo ele mesmo, ainda não estava com o voto decidido. Mas será?

Foi uma situação tão constrangedora que eu, que já não sei reagir a situações quando sou colocado sob pressão no canto da parede, fiquei sem ação. Minha esposa presenciou tudo e ficou com medo. Inclusive, ele chegou a perguntá-la como uma menina bonita vota em Lula. Vocês acreditam nisso? Uma atitude dessa, vindo de uma pessoa que se autointitula “pastor” é, no mínino, descortês, incivil, rude, mal-educada e estúpida.

Fonte: http://democraciapolitica.blogspot.com/2014/11/pais-dividido-por-benayon.html

Constrangimento 2

Passado alguns dias, assim que entrei no supermercado, um outro senhor, que conheço da igreja em que congreguei, perguntou se eu votava nos “dois patinhos” ou no 13. Na mais sincera inocência e sem querer confusão com seu ninguém, falei que voto em Lula. Esse senhor não acreditou na minha resposta e voltou a perguntar em quem eu votaria. Pra ele entender, tentei usar o mesmo argumento que iniciei para o motorista do Uber. Mas essa foi a resposta dele: “eu tinha em você uma admiração profunda. Agora fiquei sem chão. Você tão inteligente e votar em Lula? Pode ir! Vá e siga seu caminho!”.

Confesso que fiquei sem reação mais uma vez. Ôh sensação ruim! Comecei a sorrir sem ter graça alguma. Não sabia se ia embora ou se ficava para tentar argumentar. Resolvi ficar e fui vencendo o obstáculo daquela intimidação e consegui explicar a ele o real motivo em escolher Lula ante Bolsonaro, assim como escolheria qualquer outro candidato que estivesse no segundo turno contra Bolsonaro. Não sou filiado ao PT. E se fosse, não teria problema algum. Eu falei pra ele que sou antibolsonarista.

Depois desses episódios, fiquei imaginando quantas pessoas, inúmeras delas sem conhecimento algum, pobres, sem acesso à escola, sem acesso à informação, são assediadas por seus patrões, por seus pastores, por seus familiares, por seus amigos e conhecidos? Quantas pessoas?

Vou dizer uma coisa: eu tinha tudo para ser uma dessas pessoas que discrimina o outro. Exatamente tudo. Fui criança e cresci ouvindo muito preconceito contra os pobres. “Eles não sabem votar”, dizem eles. Cresci ouvindo que negro não vai ao céu. Cresci ouvindo que homem vale mais do que mulher e por isso ela deve ganhar menos do que o homem, quando o trabalho for o mesmo. Cresci ouvindo que “mulher safada” merece ser estuprada. Cresci ouvindo que branco vale mais que preto. Cresci ouvindo que patrão é quem manda e o empregado só tem de baixar a cabeça, mesmo em situações de assédio moral. Cresci ouvindo que bandido bom é bandido morto. Só existe uma solução para bandido: “bala na cara”, dizem eles. Cresci ouvindo que o evangélico vale mais do que o católico. Cresci ouvindo que o assembleiano vai para o céu e o batista para o inferno, porque este é do “mundão”. Cresci ouvindo que Deus vai acabar o mundo com as pragas do Egito para matar os homossexuais. Cresci ouvindo os maiores absurdos que você já imaginou e, muitos deles, tenho certeza que você já ouviu também. O fato é que pessoas que pensam isso sempre existiram e continuarão a existir na sociedade.

A diferença agora é que essas pessoas encontraram, aqui no Brasil e no mundo, uma personificação política. Nessa personificação é que elas depositam um voto de confiança política e até religiosa. É o famoso “eu lhe autorizo. Fale por mim aquilo que eu sempre quis falar”.

Você está vendo a perseguição dos cristãos contra os próprios cristãos? E isso não é coisa distante não. A realidade hoje é que, no nosso círculo de amizades vamos encontrar facilmente pessoas que foram ou ainda estão sendo perseguidas dentro da própria igreja em que congrega. Eu mesmo conheço casos de pastores evangélicos dizendo no púlpito que o crente que vota no PT vai para o inferno. A BBC News publicou uma matéria com o relato de vários “irmãos e irmãs” perseguidos por declararem votos no candidato Lula no segundo turno das eleições 2022.

Ah como eu tenho saudades da época em que sentávamos ao lado do irmão ou da irmã no templo e sequer sabíamos em quem aquele irmão ou irmã votava! Saudades de quando o meu pastor pregava, e não só pregava como tinha no próprio testemunho de vida, o respeito! Saudades de quando política era um assunto que a igreja não queria se envolver, pois sabia que traria mais prejuízo do que benefícios concretos!

Mas a partir de 2018, esse barquinho começou a descer o precipício. Ali, a maioria dos líderes evangélicos já começaram a mudar o tom. Mas agora em 2022, a igreja deu passos largos em direção ao escárnio do Evangelho de Cristo.

“O Evangelho não é questão de esquerda ou de direita. É questão de pensar se estou fazendo aquilo que Cristo faria e aceita” (Letra da música “Messias” de Leonardo Gonçalves e cia.)

Vote sem discriminar! Vote sem humilhar o próximo! Vote sem peso na consciência! O voto seja em Bolsonaro ou Lula é legítimo.

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Odlinari Ramon Nascimento da Silva
Odlinari Ramon Nascimento da Silva

Written by Odlinari Ramon Nascimento da Silva

Amo pensar sobre mundo, tecnologia, política, religião e fé. Então aqui me proponho a rasurar sobre a vida humana. Sou estudante apaixonado pela Comunicação.

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