O Brasil ainda não compreendeu os evangélicos brasileiros

Capa do livro de Juliano Spyer (2020)

“Evangélicos” é uma palavra que ocupa narrativas jornalísticas e opinativas todos os dias no nosso país. E não é à toa que esse extenso grupo religioso seja pauta de debates políticos, jornalísticos e acadêmicos. Há 10 anos, segundo dados do IBGE, os evangélicos já representavam cerca de 22,2% da população brasileira. Hoje em dia, segundo dados do Datafolha, os evangélicos são 31% e “a cada ano são abertas 14 mil novas igrejas evangélicas no Brasil” (SPYER, 2020, p. 73). Existem igrejas evangélicas instaladas em periferias, desenvolvendo projetos sociais com pessoas, que o Estado ainda não consegue alcançá-las.

No entanto, o mesmo país que está sendo redesenhado, enquanto identidade, aspectos sociais e religião, é o mesmo país que ainda não entendeu este processo, e por isso publica uma série de preconceitos contra o seu próprio povo. Alguns pensam que o termo “evangélico” significa um grupo de pessoas fanáticas, alheias aos problemas sociais, que vivem gritando dentro dos templos e defensores do bolsonarismo.

Angelica Tostes, em texto publicado no Diálogos da Fé, no site da Carta Capital, afirma: “os evangélicos não são apenas uma palavra abstrata, um grupo homogêneo. Pensar na fé da classe trabalhadora é lembrar que os evangélicos são corpos viventes, com desejos, prazeres, alegrias e experiências de uma vida precarizada pelo neoliberalismo e que muitas vezes reproduzem fundamentalismos e violências como resposta de inúmeros males e opressões”.

Quem pensa que evangélico é um povo que deve ser combatido, ignora o fato de que 58% dos evangélicos são mulheres, 59% se declaram negros ou pardos, 49% ganham até 2 salários mínimos mensalmente, 49% tem até o ensino médio, 39% reside na região Norte e 27% no Nordeste. Esses dados podem ser consultados na Pesquisa Datafolha, realizada em 5 e 6 de dezembro de 2019. Ou seja, quando se refere a evangélicos temos de pensar no segundo maior segmento religioso do país, composto por pessoas de maioria negra e parda, pobre, com baixa escolaridade e moradores de periferia. Isso é a cara do Brasil.

Existe muito preconceito aos evangélicos em conversas familiares e, de vez em quando, agentes públicos se envolvem em polêmicas ao publicar seus preconceitos em mídias tradicionais e digitais contra à comunidade evangélica como um todo.

É preciso entender que “o cristianismo evangélico está deixando de ser apenas uma categoria religiosa. Ele se tornou um meio para constituir uma nova classe média brasileira” (SPYER, 2020, p. 22). É preciso compreender a diversidade evangélica. Há quem pense que todo evangélico é negacionista, antivacina e anticiência. Há quem pense que todo evangélico compartilha desinformação nas mídias sociais. Há quem pense que todo evangélico, em tempos de pandemia, frequenta cultos no templo e não usa máscara.

O evangélico não é um povo à parte do Brasil, mas é o próprio Brasil, com identidade plural e desigual.

Referências:

BALLOUSSIER, Anna Virginia. Cara típica do evangélico brasileiro é feminina e negra, aponta Datafolha. 2020. Publicada na Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/cara-tipica-do-evangelico-brasileiro-e-feminina-e-negra-aponta-datafolha.shtml. Acesso em: 18 fev. 2021.

SPYER, Juliano. Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020.

TOSTES, Angelica. Só haverá disputa quando entendermos os evangélicos segundos eles mesmos. 2021. Artigo publicado no blog Diálogos da Fé — Carta Capital. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/so-havera-disputa-de-narrativas-quando-entedermos-os-evangelicos-por-s/. Acesso em: 18 fev. 2021.

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Odlinari Ramon Nascimento da Silva

Amo pensar sobre mundo, tecnologia, política, religião e fé. Então aqui me proponho a rasurar sobre a vida humana. Sou estudante apaixonado pela Comunicação.