Deus nos chama à unidade mesmo em tempos de “direita e esquerda”
As divisões compõem o DNA de sociedades e agrupamentos humanos ao longo de toda nossa história. Há quem pense que o único lugar em que não existe divisões é a Igreja de Cristo. Mas esse pensamento é ingênuo diante da realidade social e espiritual que vivemos. O próprio apóstolo Paulo denunciou o divisionismo na igreja de Corinto: “Uns estão dizendo: 'Eu sou seguidor de Paulo'. Outros dizem que estão do lado de Apolo ou de Pedro; e outros ainda que só eles são os verdadeiros seguidores de Cristo” (1ª carta de Paulo aos Coríntios, capítulo 1º e versículos 12 e 13). Se você ler os três primeiros capítulos da carta, logo perceberá que Paulo os repreende a ponto de categorizar a divisão entre os espirituais e os carnais.
Já passados dois mil anos, a divisão continua coexistindo na igreja do Senhor, mesmo que a raiz desse problema se multiplique por outras áreas. Estamos em 2022 e aqui no Brasil é ano de campanha eleitoral e o retrato das pesquisas pré-campanha é de um cenário extremamente polarizado. Em uma pesquisa realizada pelo PoderData entre 16 a 18 de janeiro de 2022 mostra que, em uma simulação de 1º turno, 40% do eleitorado evangélico vota em Bolsonaro (PL) e 36% em Lula (PT). Já em simulação do segundo turno, o acirramento é ainda maior, conforme mostra a figura abaixo:
O problema dessa polarização é que ela não se limita ao campo político. Se limitasse, poderíamos chegar à conclusão de que, em batalhas políticas podemos divergir, no entanto, existem valores inegociáveis onde o divisionismo não toca. Mas infelizmente isso não acontece na prática. O divisionismo tem cegado o nosso entendimento e estamos pecando e sendo “infantis”, conforme Paulo exorta aos coríntios, quando deixamos que as coisas que nos dividem sejam maiores do que as coisas que nos une.
Vou citar alguns exemplos pessoais, dos quais senti “na pele” enquanto membro de igreja. E acredito que isso não é um caso isolado. Quantos de nós já enfrentou situações bem semelhantes? Eu congreguei por muitos anos em uma congregação de igreja pentecostal na minha cidade. Passei toda a minha adolescência naquela igreja ao lado de irmãos e amigos que tenho até hoje. Ao casar e mudar de bairro em 2011, tive de deixar essa congregação, mas vez por outra voltava lá com imensa alegria em rever os irmãos. Certo pastor, dirigente local na época, sempre me convidava para palestrar aos jovens daquela congregação até o dia em que ele viu uma postagem em meu perfil no Facebook e sentenciou: “enquanto eu for dirigente de congregação, Ramon não sobe no púlpito para palestrar e não quero que ninguém daqui o convide para tal”. A postagem que ele viu foi minha declaração de voto em Dilma Rousseff (PT) nas eleições de 2014. E confesso que, de lá pra cá, esse tipo de atitude tem batido em minha porta. Perdi a amizade de pessoas, dentre eles amigos que visitavam a minha casa, simplesmente por postar nas mídias sociais determinadas críticas ao governo atual. Eu jamais vou entender esse tipo de comportamento que leva pessoas a romperem amizades por conta de opções políticas entre X e Y. Muitas e muitas famílias estão destruídas por conta desse divisionismo desenfreado e que só tende a piorar neste ano. Não é difícil encontrarmos comentários nas mídias sociais com teor de “condenações ao inferno” a quem opta por votar na esquerda como se outras ideologias fossem caminhos para a santificação.
O pré-requisito para entrada no céu nunca foi e nunca será nossa preferência política.
O doutor David T. Koyzis nos esclarece a respeito da possibilidade de superarmos esse divisionismo mesquinho dentro da igreja ao compreender as ideologias como um processo de nossa natureza pecaminosa. “Quero deixar claro desde já que vejo as ideologias como tipos modernos do fenômeno perene da idolatria, trazendo em seu bojo suas próprias teorias sobre o pecado e a redenção. […] Como as idolatrias bíblicas, cada ideologia se fundamenta no ato de isolar um elemento da totalidade criada, elevando-o acima do resto da criação e fazendo com que esta orbite em torno desse elemento e o sirva” (KOYZIS, 2014, p. 18). Quando o autor diz que toda ideologia é um fenômeno de idolatria que construímos, ele não está se referindo apenas a uma ou outra ideologia, mas a todas elas: ao Liberalismo, como a soberania do indivíduo; ao Conservadorismo, tendo a história como fonte das normas; ao Nacionalismo, que tem a nação deificada; a própria Democracia, que concebe a voz do povo como a voz de Deus; ao Socialismo que busca a salvação pela propriedade comum. É fato que nenhum partido político é cristocêntrico. Até aqueles que se denominam “cristãos” se baseiam nessas ideologias, simplesmente pelo fato de que estamos tratando aqui de natureza humana. É por isso que Paulo exorta: “Quando vocês sentem inveja uns dos outros e se dividem em grupos que guerreiam entre si, isso não é prova de que vocês ainda são crianças que só querem fazer a sua própria vontade? Pois se entre vocês há pessoas que dizem: ‘Eu sou de Paulo’, ou: ‘Eu sou de Apolo’, estão agindo como pessoas mundanas” (1ª Coríntios 3.3 e 4). Ou seja, dentro da própria igreja existem “pessoas mundanas”. No entanto, isso não é motivo de divisão, pelo contrário, é necessário que busquemos a unidade em Cristo todos os dias.
Não escrevo este texto na intenção de que temos de votar em único partido ou pensarmos da mesma maneira ou seguirmos a mesma ideologia. Na democracia, cada pessoa é livre para acreditar e votar em qualquer candidato, seja ele Bolsonaro, Lula, Ciro, Moro, terceira via, quarta via etc. O que é inadmissível e antibíblico é rompermos a união em questões que nos sustentam como irmãos, “pois temos a mente de Cristo” (1ª Coríntios 2.16). Precisamos entender que a nossa esperança não está em Bolsonaro, nem em Lula ou qualquer outro candidato ou candidata, porque a nossa única esperança é Cristo. É certo que o nosso voto em qualquer desses candidatos representa um exercício de cidadania, e, por isso, é possível que tenhamos embates e discussões. No entanto, precisamos ser “maduros” o suficiente para entender que todo o debate não deve ultrapassar a nossa unidade em Cristo. Pois Ele não habita na individualidade do “eu” ou do “você” ou até mesmo do “nós contra eles”. A igreja de Cristo somos nós. Cristo habita na coletividade. Somos diferentes e ao mesmo tempo somos um em Cristo Jesus. Entenda isso e viva em paz!
"OH! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união” (Salmos 133)
Referências:
KOYZIS, David. T. Visões & ilusões políticas: uma análise e crítica cristã das ideologias contemporâneas. Tradução de Lucas G. Freire. São Paulo: Vida Nova, 2014